Passaram tão depressa. Anos carregados de sonhos. Tempos sustentados pela ânsia de viver, de concretizar o prometido, de arriscar o inesperado na improvisação do teatro da vida.
E a busca constante, a insatisfação que nutre o desejo por mais e maior; o ímpeto de refazer o imperfeito até à utopia da perfeição idealizada. E o cogitar pulsátil aliado ao instinto que não adormece, não repousa, apenas fecha os olhos, apenas engana o sono e o corpo exausto da jornada.
Anos de tenra juventude que foram ficando para trás, na distância inevitável das memórias que me vislumbram, como testemunhas da pessoa que tenho sido.
Para mim, os aniversários são datas de comemoração, mas também simbolismo de introspecção e balanço do que se tem sido e vivido. E o dia de hoje não foi excepção a esse ritual tão pouco evitável ou dispensável por mim.
Assim, abri a gaveta das memórias, que a minha mente afavelmente me disponibilizou. Depois servi-me delas. Às melhores, às excelentes, àquelas que imobilizaram raros momentos de brutal felicidade, brindei-as com champagnhe e sorrisos, beijei-as com paixão e saudade; ofereci-lhes caviar e morangos. A mim, extasiaram-me com o seu imprevisto retorno, com as suas rosas vermelhas, suas essências e infusões líricas que me percorreram o corpo e a alma.
Em outras gavetas, memórias desbotadas, de odores extintos no passado, trouxeram-me os momentos de desilusão.
Porque, percebi-o hoje nitidamente, as desilusões foram o meu maior luto. Desilusões que fui tendo com os outros e comigo própria. Situações e momentos em que fui um ser aquém de si próprio... silêncios, receios, incertezas, inépcias desembocados na espera incerta de um tempo que, afinal, não se entrega nas nossas mãos, mas que constantemente nos escapa.
Desilusões com os outros, quando eu não falhara nem faltara ao prometido, mas eles sim. Momentos em que falharam e faltaram às promessas; que inverteram os gestos da amizade e do amor na direcção mais cómoda a dado momento, contrária à esperada por convicções e ideais albergados no sentido das palavras. Momentos em que alguém se esqueceu de que a sinceridade não tem preço, a confiança também não, e que nada é gratuito excepto o que estamos dispostos a oferecer ao outro sem nada esperar em troca.
A estas, tomei-as no meu peito, afaguei-as e encostei ao meu rosto as suas faces sulcadas pelo tempo. O seu toque já não doía como outrora, apenas se fazia sentir com a amenidade de ventos que em tempos foram parte de temporais. Mas dos meus olhos, lágrimas incontidas deslizaram lentamente. E da minha pele para aquela pele, que já não me pertence...tal como as desilusões em que fui tropeçando ao longo do caminho.
Hoje, em pé e de cabeça levantada, olho o mundo de frente. Caminho pelos meus passos, mais firmes e seguros do que nunca. E embora não saiba aonde eles me levam, continuo a vislumbrar à distância a beleza de certas paisagens, de certos destinos. E acredito que um dia as minhas memórias serão também, as memórias do meu encontro com o que falta à minha vida.